Uma conversa sobre os sinais de alerta e o cuidado com a saúde mental na infância
Irritabilidade, queda no desempenho escolar e alterações no sono e apetite podem indicar que a saúde mental dos seus filhos precisa de maior cuidado. Há diversos sinais que apontam que uma criança está precisando de ajuda. E é importante saber identificá-los para buscar apoio.
Dar a devida atenção à saúde mental das crianças é essencial. Vamos nos preparar e ficar atentos para saber como ajudar nossos filhos e filhas?
Promovemos um evento online em nosso LinkedIn para compartilhar conhecimento e experiências sobre essa questão tão importante. Juliana de Faria, Líder de Engajamento na Bloom, mediou a conversa entre Xan Ravelli, criadora de conteúdo e musicoterapeuta, e Denise Mazzuchelli, doutoranda em Ciências do Comportamento e psicóloga na Bloom, sobre a importância de cuidarmos das emoções das crianças.
Neste artigo, listamos os principais assuntos discutidos pelas participantes. Faça essa imersão com a gente!
Impacto e ressocialização pós-pandemia
Em março de 2021, a UNICEF alertou para saúde mental de 332 milhões de crianças que estavam sofrendo com as políticas de confinamento. Ainda segundo o Órgão, metade de todos os transtornos mentais se desenvolvem antes dos 18 anos e a maioria das 800 mil pessoas que morrem por suicídio anualmente têm menos de 18 anos.
O impacto da pandemia no desenvolvimento físico, psíquico e emocional das crianças era esperado e se comprovou. Pesquisadores da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, notaram que bebês de 6 meses nascidos durante a pandemia tiveram pontuações mais baixas no desenvolvimento motor e socioemocional do que os bebês que nasceram antes dessa crise humanitária e sanitária.
Essa é uma situação muito complexa e, apesar de coletiva, às vezes se apresenta de maneira diferente no individual. É o que relatam Xan, Juliana e Denise sobre esse tema.
A musicoterapeuta Xan Ravelli, mãe de Jade, 10 anos, Rael, 7 anos, e Eva, que ainda está na barriga, conta que o impacto em cada um de seus filhos foi muito concreto e particular. A sua filha Jade perdeu um período importante de socialização com os amigos e isso fez muita falta para ela. Há um diálogo aberto na casa de Xan e ela conta que quando Jade retornou à escola, dividiu com a mãe que estava com dificuldade de falar “não” para os amigos com medo de não gostarem dela. A insegurança ficou eminente nas trocas com outras crianças.
No caso de seu filho Rael, a socialização também teve um impacto significativo no retorno à escola. A família demorou 7 meses para conseguir convencê-lo de entrar na sala de aula e ele também se recusou a fazer aulas online na época do confinamento.
Por outro lado, houve um avanço expressivo na questão da linguagem do filho. Rael tem TDL (Transtorno de Déficit de Linguagem) e se sentiu mais confortável para falar e expor suas ideias dentro de casa.
“Recebi relatos de outros pais de crianças que estão dentro do espectro autista ou que têm qualquer outro distúrbio de aprendizagem ou de comunicação que houve um avanço nessas crianças pela confiança de estarem em um ambiente seguro.”
Complementando essas questões trazidas pela Xan, a psicóloga Denise falou sobre o poder de afeto, segurança e proteção de um ambiente seguro:
“Se formos olhar para famílias mais vulneráveis ou crianças que não tiveram o que o filho da Xan teve, não são esses os resultados que os dados mostram. Me chamou atenção que em um ambiente seguro, onde a criança tem espaço para ser quem ela é e é amada pelo o que ela é e se sente segura, uma situação adversa pode trazer um resultado positivo. Uma situação dada como de prejuízo, na verdade, a família consegue transformar em um fator de proteção para o desenvolvimento dela”.
Denise também compartilhou suas experiências com seus três filhos: Yasmin, 15 anos, João, 9 anos, e Morena, de 5 anos. Assim como para Jade, filha de Xan, a Yasmin também sentiu muito a falta dos amigos e isso trouxe prejuízos grandes. A psicóloga diz que o retorno também foi difícil, por exemplo, com a questão de parar o uso de máscaras em determinados lugares.
No caso de João, houve um atraso na alfabetização, ele só foi alfabetizado no ano passado quando começou a frequentar a escola presencialmente.
Já com Morena, Denise conta que metade da vida dela foi no contexto pandêmico e que foi muito desafiador em vários aspectos, mas que o ambiente seguro da casa também trouxe ganhos. Ela ressalta que ainda chegam em seu consultório casos relatando prejuízos diante do cenário vivido e a importância de olhar para o que é sintoma preocupante para o desenvolvimento e o que é expressão de uma criança que está se desenvolvendo em um contexto pós-pandêmico.
Em seu caso, conta que para Morena ter os irmãos em casa, o que deixa o ambiente sempre com muito movimento, foi muito benéfico, diferente, por exemplo, de famílias com uma só criança ou monoparentais que sofreram mais. “O gancho da ressocialização é estarmos conectados e dialogando com nossos filhos. Tanto a criança na primeira infância quanto o adolescente, vão expressar desconforto e precisam de apoio e suporte nesse processo.”
Denise compartilha com os participantes do evento que Morena ainda está no processo de se encontrar nesse novo contexto. Um exemplo é que ela ama usar uniforme escolar e não aceita ir à escola sem usá-lo. Para ela, o uniforme é um símbolo importante. Denise conclui que:
Reforçando as afirmações de Denise, Xan concorda que o diálogo é a base de tudo e que logo que os filhos voltaram para a escola, ela e seu marido Paulo conversaram sobre as estratégias para inseri-los novamente no convívio social. Ela diz que pensaram muito em repertório e o quanto isso é importante para os dois enquanto crianças pretas, já que são exigidas de uma forma muito diferente quando crescem.
“Pensamos em levá-los para ver e conhecer aquele que é meu mundo, o mundo que eu amo, o mundo que o Paulo ama também e as coisas que ele ama, e também acolher as sugestões deles à medida que foram chegando. A gente ficou muito mais criterioso em realmente colocar na agenda dias e datas de passeio e fazer coisas completamente diferentes.”
Xan conta que leva seus filhos para lugares que encontram outras crianças negras também e que conviver com os iguais é importante para eles. Também diz que fazer esses passeios em família faz com que as crianças observem como os pais convivem socialmente, inclusive, com quem não conhecem e pelo exemplo aprendem mais do que qualquer outra coisa.
Gatilhos que afetam a saúde mental infantil
Juliana menciona a essa altura da conversa gatilhos que afetam diretamente a saúde mental dos pequenos, como, por exemplo, racismo, luto em família e bullying, e convida as participantes a compartilharem suas experiências.
Sobre essa questão, Xan fala que o racismo afeta diretamente a sua família e pontua que precisa explicar para os seus filhos o que é. Eles estudam em uma escola pública de São Caetano do Sul, que é uma cidade com grande imigração italiana e lá eles não têm contato com outras crianças negras, então Xan diz que tem que sempre reforçar que: “Racismo não é bullying”. Sua filha Jade tem dislexia e tem mais o desafio de saber como conversar sobre esse assunto com os amigos sendo que ela mesma está processando.
“Tem algumas coisas que eles vão precisar entender como lidar e devem saber que eu estou aqui do lado apoiando. Nosso papel é de estar na arquibancada, até mais do que eu gostaria que fosse. Às vezes estamos lá assistindo e eles estão em campo e temos que ficar ‘é pra lá, é pra cá’, mas não podemos entrar para jogar. Acho que é isso que a gente percebe quando vão para a escola, ou mesmo quando estão crescendo. Quem joga são eles, a gente está aqui para apoiar e orientar. Então, o que podemos é entender como a gente se faz presente e aberto para esse diálogo completamente sem julgamento para que eles possam trazer as coisas que agora parecem muito simples. A gente dá importância para o que trazem, para as conversas que eles querem ter com a gente para que quando eles tiverem 13, 14, 15 anos tenham a mesma liberdade de falar conosco.” (Xan Ravelli)
A psicóloga Denise compartilha que também vivencia o racismo em sua casa e que somente quando se tornou mãe de seus dois filhos que foram adotados, ela foi sentir o que é essa expressão de violência. Diz que muitas vezes não é explícito nem mesmo entre as crianças.
“É um convite de aniversário que não chega, é o fato de uma mãe reagir muito mal quando há uma briga entre as crianças que com outra criança seria muito normal, mas com o meu filho não é. Ele é chamado de bruto, descompensado e até é sugerido que ele vá ser avaliado.” (Denise Mazzuchelli)
Denise pontua outros gatilhos também como o medo excessivo e o contato com a morte. Com a pandemia, vivenciamos muitas mortes e lidamos com a iminência da morte. Relata que percebe em seu consultório com as crianças que atende que precisa dar espaço para elas falarem, mas também é importante esclarecer algumas coisas como o que não precisam temer. Por exemplo, nesse momento já é seguro dar um abraço no colega e ir a determinados lugares sem máscara. “Enxergar esses gatilhos que foram muito acionados recentemente em nossa história e como que a gente pode lidar com isso de uma forma saudável conectando com o que a gente tá vivendo agora.”
O que os pais precisam observar para entender se os filhos estão com alguma questão emocional?
“Os sinais não são o problema em si, eles são alertas. É como a febre que quando um filho nosso tem, a gente vai ao médico e ele fala pra gente esperar 48 horas – para o desespero de determinadas mães, inclusive eu que quero resolver e saber o que é. O sintoma é um sinal que deve ser observado em relação a intensidade e a frequência. Então, sempre que algo vem numa intensidade exacerbada e causa sofrimento à criança precisamos olhar. Ou se aquilo sempre acontece em determinadas situações, ou se vem sempre acontecendo a três, quatro, cinco meses, é preciso atenção“, explica Denise.
Para Xan, as questões emocionais devem ser observadas com muita naturalidade porque as crianças são pessoas como nós, independente do tamanho que tenham, e acrescenta:
Xan fala sobre a importância de observar sinais em relação a alimentação, sono, se a criança está roendo ou não as unhas (o que seu filho Rael faz), se o corpo consegue parar para ouvir uma história, como lida com o ócio e também com o silêncio.
O papel dos pais, mães e cuidadores na saúde mental das crianças
Em tempos de redes sociais, em que há muita gente compartilhando como criar, cuidar e educar uma criança e dizendo o que é certo e errado, muitos pais ficam perdidos e não sabem como agir. Será que estou sendo muito autoritário(a)? Ou permissivo(a) demais? Qual é o limite e como ser um bom pai ou mãe?
A respeito desses questionamentos que muitas vezes são carregados de angústia e ansiedade, Denise diz que essas dicas e sínteses que vemos na internet de “faça isso no lugar daquilo” ajudam em várias situações, mas o principal é sempre cuidarmos da relação com os nossos filhos. Muitas vezes isso quer dizer que devemos abrir mão de algo que precisa ser feito ou um compromisso que temos se naquele momento ferirem a relação com eles, mas sem migrar para uma permissividade excessiva.
“Entra um outro ponto que é essencial nessa balança que é a gente se enxergar, que eu acho que talvez seja um pecado desse momento atual que a gente fala muito de educação respeitosa e a gente esquece que para uma educação respeitosa o respeito tem que ir e vir. E aí, temos muitos pais que foram feridos e desrespeitados na infância que passam a respeitar o filho acima de tudo. Então, acho que é preciso se colocar numa posição de cuidar da relação com o filho sem esquecer que você também precisa cuidar de você nessa relação. E sem esquecer também de fazer uma pergunta que eu considero muito útil que é: o quanto eu estou respeitando a mim e as minhas necessidades nesse momento.“ (Denise Mazzuchelli)
Na casa de Xan, a relação é muito sincera e assume um lugar de humanização. Conta que muitas vezes ela acaba extrapolando os limites e fica bastante irritada com os filhos. Depois que isso acontece, não subestima a inteligência deles e explica o que a levou a reagir daquela forma.
Juliana concorda com a maneira como Xan enxerga a relação dela com os filhos e acrescenta:
Exposição à telas e acesso à internet X Saúde mental infantil
Já temos vários estudos que indicam que o excesso de exposição à telas na infância é prejudicial. Na pandemia, ficou ainda mais difícil impor limites de uso.
Diante dessa questão, Denise tem uma visão parcimoniosa. Ela entende que os nossos filhos estão crescendo nesse mundo e que não é sobre demonizar as telas como algo que precisa ser completamente evitado e cortado. Isso não significa que ela concorde em expor um bebê às telas, por exemplo, mas sim em “entender que elas são úteis em diversos momentos e que podem ser ferramentas, inclusive, de socialização, mas não substituem a interação, a experiência, o toque, o cheiro”. A psicóloga comenta que não é sobre achar normal uma criança ficar três horas na frente da tela e que isso não deve acontecer, o ponto é que pode ser uma opção para a mãe conseguir fazer algo que precisa ou quer.
Denise diz que vale um bom senso e também ter regras em casa. As crianças podem não gostam no primeiro momento, mas observar a resolução delas é o mais legal, por exemplo, construir uma cabana, jogar as almofadas no chão e brincar com os brinquedos.
Sobre isso, Juliana traz uma reflexão interessante: “Paciência de lidar com bagunça. Nós adultos também nos descolamos muito dessa criatividade. É entender isso como desenvolvimento e crescimento”.
Xan reitera: “Tolerância é ter uma casa viva! Ter coisa no chão, coisa espalhada, gente correndo, gritando. Isso é eles acontecendo, criando coisas com brinquedos que nem sempre são brinquedos, mas são os favoritos. Como é bom ter uma casa viva”.
Para Xan, a tecnologia e a internet chegaram tarde, apenas quando ela já tinha 24 anos, e ela pensa no online como algo muito concreto, no sentido de que a vida online é parte da vida concreta. “Do mesmo jeito que na nossa vida concreta no mundo fora tem lugares que as crianças vão sozinhas e que não tem problema nenhum, tem lugares que só vão se eu estiver olhando e outros que não pisam de jeito nenhum porque não têm maturidade para isso.”
Ter essa consciência é importante e para administrar essa questão do tempo, os ambientes que seus filhos acessam e a qualidade do que estão assistindo, Xan recorre a ferramentas que a auxiliam com isso. Sua visão é otimista acreditando que estamos passando por um processo natural e vamos conseguir encontrar um equilíbrio.
O impacto do sono na saúde mental da casa
O sono com interrupções e sem qualidade tem um impacto significativo na saúde mental dos adultos, adolescentes e crianças. Quando não temos uma boa noite de sono, no dia seguinte sentimos os efeitos para a memória, concentração e humor. É o que diz Denise que acrescenta que o sono é uma ameaça à saúde mental.
“Cuidar do sono dos nossos filhos é algo muito importante para a saúde deles e também para a nossa. Cada uma de nós, mulheres que atravessaram o puerpério, sabemos o preço de uma noite mal dormida ou de noites prolongadas mal dormidas. Nesse aspecto já há hoje muito conhecimento sobre estratégias que podem apoiar a criança que são muito diferentes do que há uns 10, 15, 20 anos começou a chegar pra gente como treinamento de sono.” (Denise Mazzuchelli)
Para Denise, há estratégias muito respeitosas hoje e se a gente tivesse e aplicasse os mesmos cuidados na nossa rotina de sono com certeza também ganharíamos muito
A musicoterapeuta Xan Ravelli já trabalhou muito tempo como consultora do sono e divide sua experiência: “A rotina do sono começa 1 hora antes de dormir em casa. Eu coloco para eles coisas que eu gostava de ouvir que faz parte da identidade sonora deles, que eu ouvia enquanto eles estavam na minha barriga e que a gente escutava juntos quando eles eram pequenos. Hoje trabalhamos muito com o silêncio”.
Já se despedindo do bate-papo, Denise finaliza citando José Saramago:
“É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós.”
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[Material resumo do evento “Como cuidar da saúde mental dos nossos filhos?” realizado no dia 05/10 no LinkedIn da Bloom Care.]