Tirar o pijama já não adianta. Trabalhar em casa com crianças tem exigido criatividade, disposição, organização e muita – MUITA – paciência. Uma pesquisa de 2017* mostrou que 81% dos trabalhadores brasileiros sonhavam com o home office. Hoje fica cada vez mais claro que mães e pais precisam de muito apoio, e também privacidade, para que este sonho possa dar certo.
Mas se o home office ideal não tem como dar certo agora, será que dá para integrar família e trabalho de um jeito saudável, mesmo sem apoio? Convidamos Paula Braga, que faz parte da Rede Bloom e é colunista do Estado de S. Paulo, Executive Coach no Programa de Desenvolvimento Executivo da Kellogg School of Management, Mentora do Internal Coach Training Program da ONU (UNFPA), especialista em Gestão de Pessoas (FGV) e mãe da Julinha, de 2 anos, para responder às dúvidas mais frequentes que chegaram à nossa equipe pelas nossas redes sociais.
O ritmo do trabalho é totalmente incompatível com o ritmo da criança e da casa. O que fazer?
Conciliar as demandas do trabalho com as demandas pessoais, das crianças e da casa não está fácil mesmo. Ainda mais se a sua rede de apoio reduziu. O primeiro a fazer é assumir para si – e para as pessoas com quem trabalha – que estamos em um momento sem precedentes e, por conta disso, será necessário flexibilidade por parte de todos. Em segundo lugar, assim como os “startupeiros” pensam em novos projetos, precisamos identificar qual nosso MVP (Mínimo produto viável): ou seja, qual é a UMA coisa mais importante que preciso fazer no meu trabalho? Aquela que, se por algum motivo eu só tiver tempo de fazer isso, o dia terá valido a pena? Em momentos de escassez de tempo, realizar uma priorização radical se faz necessária.
Como conseguir pelo menos fazer chamada telefônica com um mínimo de profissionalismo com crianças falando com você ao mesmo tempo?
Mundo ideal dentro da quarentena: caso tenha parceir@/outra pessoa que possa ficar com as crianças em outro ambiente durante a chamada telefônica, peça esse apoio. Alternativa 2: dependendo da idade deles, faça combinados por tempos determinados: “agora é hora de brincar e quando a mamãe sair do telefone, a gente brinca de lego mais tarde”. Alternativa 3: talvez seja o momento de permiti-los ver aquela TV. Mesmo não sendo a melhor atividade do mundo, em tempos de COVID-19 precisamos flexibilizar. Por fim, independentemente da alternativa, sugiro que logo no começo do call você já avise de maneira bem-humorada e leve que talvez ocorram algumas interrupções de crianças. Muito possivelmente seu interlocutor vai se sentir aliviado que você também está passando por isso, ou no mínimo sentir empatia pela situação.
Como fazer com a criança pequena, que demanda atenção full time, durante o período em que se precisa trabalhar?
Cuidar de criança pequena e trabalhar nesse contexto é SUPER desafiador. Não existe uma única resposta certa. Se você tiver um parceir@, é importante criar uma divisão de horários sobre quem cuida da criança. Eu, por exemplo, atendo das 8-11am, cuida da Julia das 11-15h, volto atender 15h. Meu marido segura as pontas quando estou trabalhando e vice-versa. Outra alternativa é entender que o ritmo do seu trabalho se tornará intermitente. Quando a reunião é com câmera, @ parceiro está olhando a criança. Quando é por call, dá para manter um olho no peixe e o outro no gato. Não é ideal, nem para o trabalho, nem para a criança, nem para você. Mas nesse momento de trabalho remoto sem escola/babá/avós, precisamos nos esquecer do que é ideal e focar 100% em o que é possível.
É impraticável! Meus filhos não entendem o que é trabalhar, querem ao máximo a minha presença.
Várias mulheres estão relatando o aumento da culpa em relação aos filhos que agora estão tão perto mas, devido ao volume de trabalho, estão tão distantes. Não há solução ótima aqui. Há o que você dá conta. Para nós, mães e pais, é difícil e para os filhos, também. Mas, dentro desse caos, a dica é se apegar aos bons momentos. Aquele intervalinho que antes você ia tomar um café com os colegas, agora é aproveitar para dar um chamego no filhote. O trabalho vira intermitente, assim como o cuidado dos filhos. E tudo bem.
Como não apelar para a TV?
Há uma série de alternativas que podem te ajudar:
Se precisar da TV, escolha O QUE o seu filho vai assistir. Tem programas que são adequados para os pequenos, outros não. Se puder escolher antes, você pelo menos garante a qualidade do conteúdo do que ele está assistindo.
Faça um combinado ANTES: quantos programas ele pode assistir? Até que horas? Deixar isso claro facilita para encerrar a hora da TV e evitar disputas: “Filho, agora você vai assistir a dois programas, e depois que acabar, é hora de almoçar, combinado?”. Às vezes dá certo, outras não dá. Mas as chances são maiores quando você faz o combinado ANTES.
Se seu pequeno puder escolher ALGUMA coisa, melhor. Por exemplo, dê 3 opções de filmes para ele escolher o que quer ver (as opções são escolhidas por você antes). Quando a criança tem alguma autonomia para escolher, facilita a cooperação.
Para fugir da TV, tem uma brincadeira que funciona com várias idades e aqui no Bloom a gente chama de “Canto Lúdico”. Escolha um canto da casa e coloque um tecido no chão (um pano comprido, uma canga ou um tapete). Isso ajuda a criança a perceber que a brincadeira é ali, e não na casa toda, e a bagunça tende a ficar em um canto só. Espalhe em cima do pano um tipo de material: livros, blocos de madeira, potes, embalagens secas e limpas. Diga que esse será o “Canto dos livros”, por exemplo. Deixe o espaço convidativo: abra o livro com a ilustração de um animal que o seu filho gosta e mostre para ele, traga o urso de pelúcia preferido dele para participar. Cuide para que nenhum objeto seja perigoso, não vale deixar uma tesoura ali, por exemplo, porque a ideia é que você não precise ficar supervisionando. Comece a brincadeira, até que seu filho se interesse, e se afaste aos poucos. Conte que, nesse momento, ele tem o canto dele, e você, o seu. Vale até montar um canto de “trabalho” pra ele, com papéis, calculadora, o que você tiver em casa e puder fazer-de-conta, assim ele sente que pode brincar sozinho enquanto você também “brinca” sozinha.
Essa realidade é desesperadora. E ainda tem o homeschooling!
O que eu sinceramente penso é o seguinte: se você chega ao final do dia e seus filhos estão saudáveis e dormindo, a casa não está pegando fogo e você conseguiu fazer alguma coisa relevante no trabalho, você já está vencendo no jogo. O que aconteceu nesse último mês é que tudo que era certo (como as crianças irem para escola, você ir ao trabalho, ter apoio para afazeres domésticos etc.), virou de ponta cabeça. Acho que se trata de um excelente momento para praticarmos uma enorme compaixão com nós mesmas, pois – na boa – você é incrível.
Trabalho remoto com crianças é simplesmente impossível!
Concordo com você sobre ser impossível ter o nível de dedicação exatamente como antes. As reuniões muitas vezes vão ser interrompidas, possivelmente você terá que parar alguns momentos para atender a uma criança chorando, o cansaço das multi-tarefas é real. Então penso que é preciso cuidar das expectativas. Se o ideal é impossível, o que é possível para vocês neste momento? Tente pensar em uma prioridade e foque nela. Pode ser uma meta pequena, tudo bem. Tudo são fases. A primeira semana é a pior, a segunda é terrível, a terceira um pouquinho melhor. Na quarta você até passa a sentir que a nova rotina está indo bem. Depois vem um dia que você sente que foi tudo por água abaixo. Essa oscilação é natural: uns dias vão ser melhores, outros piores. Respire fundo! E amanhã é um novo dia.
É tanto desafio que não sei nem o que perguntar!
Então vou tentar te ajudar com uma pergunta: dado que tudo passa, como você pode aproveitar os próximos 2 meses para que o saldo das tuas experiências seja positivo? O que pode fazer dos próximos 2 meses um momento especial na sua vida?
Filho de 2 anos precisa de alguém “do lado” para quase tudo… como fazer?
O primeiro ponto é sempre tentar buscar apoio: tem mais alguém na sua casa com quem você pode dividir a responsabilidade? Tente criar uns mini-combinados: “quando a mamãe está com o fone de ouvido, é porque estou trabalhando. Assim que terminar essa reunião, vamos fazer (essa coisa legal que ele gosta). Até lá, você pode (sugira algo que seja interessante)”. Engajar os avôs, tias ou pessoas queridas à distância é outra dica: o pai de uma amiga minha lê livros durante uma hora todos os dias para os filhos dela. O ponto é que não tem uma solução pronta, vamos na tentativa e erro, experimentando o que engaja o seu filho por um tempinho para que você tenha tempo de fazer suas outras atividades.
Como conciliar reuniões com a rotina de um bebê de 6 meses que dorme e mama a cada 3 horas e acorda com barulho?
Caso seu filho tenha uma rotina relativamente previsível, idealmente tente marcar as reuniões entre as mamadas, prevendo uma certa margem de erro, e faça a conversa em um lugar mais distante possível do bebê para evitar acordá-lo com o barulho. Parceir@ é bastante importante nessa hora, pois se o bebê acordar durante uma reunião, precisamos de uma ajuda para segurar as pontas. Isso significa que você e seu/sua parceir@ também podem tentar evitar marcar reuniões no mesmo horário. Bom, isso é o mundo ideal.
Mundo real: eu adotaria as medidas acima citadas e avisaria meu interlocutor antes de qualquer reunião da possiblidade de, em algum momento, ele escutar um bebê chorando esfomeado. Avisaria também que, caso isso ocorra, seu/sua parceir@ irá tentar acalmá-lo MAS que existe a chance de que isso não dê certo. Também é importante já questionar o interlocutor, caso o choro se torne insuportável, se vocês poderiam continuar a reunião em um momento futuro. Estamos num momento especial e todas as pessoas estão trabalhando de casa. Esse pano de fundo comum torna esse tipo de alinhamento com o cliente/interlocutor algo mais aceitável e passível de empatia.
Conciliar as aulas online que as escolas estão demandando, com o trabalho, a alimentação e cuidado o dia todo, ainda mais se tratando de mães solo.
Eu tenho PROFUNDA ADMIRAÇÃO por quem, como você, está dando conta disso sozinha. Como conciliar tudo isso? Do jeito que você conseguir. Possivelmente algumas lições de casa não serão feitas. Possivelmente seus filhos vão comer comida congelada vários dias seguidos. Possivelmente suas reuniões serão interrompidas por um “mamãe, já terminei de ir ao banheiro!”. E pronto. Esse é o momento de ver o que é possível, pois manter nossa sanidade mental é o fator número um para que as coisas possam funcionar.
Como falar sobre esses desafios com o meu chefe?
Se seu chefe não tem filhos, é ainda mais importante que você explique para ele o que você está passando, pois ele de fato não tem nem como imaginar o quão desafiadora está sendo sua vida. A ideia não é passar uma imagem de vítima, mas sim passar uma imagem da realidade. Uma sugestão é usar uma metáfora que talvez se relacione mais com a vida dele.
Por exemplo, se ele gosta de futebol, pode falar: “Chefe, imagine que seu time entrou em campo. Só que quando você foi ver, todo sua equipe desapareceu (babá, faxineira, sogra, escola das crianças) e você está sozinho para jogar contra o outro time. Você tem que atacar, mas em seguida tem voltar correndo para defender o gol. Não tem para quem passar a bola. Esse é meu dia. Estou tentando fazer o gol (entregar os resultados do trabalho), mas vira e mexe preciso voltar correndo para o gol (para impedir que uma criança se jogue da cama ou para fazer um almoço, por exemplo). Estou super comprometida em atingir os objetivos, mas meu dia está lotado de desafios que não estavam previstos, então queria contar com um pouco de compreensão e flexibilidade de horários nas demandas”.
Depois, você pode falar com o que ele pode contar: “Você pode ter certeza que estou 100% comprometida em fazer o meu melhor. Mas talvez eu precise um pouco mais de ajuda, ou um pouco mais prazo”.
Em parceria com o Great Place to Work preparamos o guia Apoiando mães e pais que trabalham – um guia para gestores em tempos de pandemia. O download é gratuito.
Eles não respeitam o espaço do escritório, invadem mesmo com os combinados. Alguma dica?
Educar os filhos à respeito do espaço de trabalho é um esforço contínuo. Tem algumas crianças (ouvi falar) que respeitam logo de cara que “mamãe está trabalhando”. Porém, para a grande maioria dos mortais, a criança testa os limites, pois também está aprendendo como viver nesta nova configuração. E as crianças aprende também por repetição. Com combinados que mostram para ela caminhos possíveis, e que você vai precisar reforçar. E ela quer a sua atenção. O nosso papel é ser repetitiva, reforçando o combinado estabelecido.
Por outro lado, mesmo com toda a nossa disciplina de colocar esses limites, os filhos podem ainda invadir nosso espaço…e isso faz parte. Não é para te provocar, ou causar uma briga. De novo: eles estão aprendendo. E tá todo mundo na mesma. Se você estiver em algum call, avise de antemão que, em algum momento, vocês talvez tenham uma participação especial.
Pense que no escritório, essas interrupções no trabalho acontecem também (não tem sempre aquele colega que aparece na sua mesa pedindo para falar “rapidinho” com você?). A diferença é que agora essas invasões são feitas pelas pessoas que você mais gosta. Então, no grande esquema das coisas, está tudo certo
Quero ficar o dia todo grudada no meu filho, mas preciso trabalhar.
Superar a vontade, você dificilmente vai superar. Estudos de produtividade mostram que o máximo que uma pessoa consegue ficar focada em uma atividade é uma hora e meia. Depois desse período, é necessário fazer um intervalo ativo (levantando da cadeira, esticando as pernas) para você conseguir se energizar e voltar ao trabalho. Que tal usar esses intervalos para dar um chamego no seu filho? Ao propor tempos definidos de concentração e já saber que daqui a pouco você vai poder vê-lo, fazer o trabalho fica mais suportável.
E quando a criança só sossega com a mãe? Como o pai pode conduzir a situação?
O motivo pelo qual nós seres humanos sobrevivemos tantos anos mesmo sem sermos os animais mais fortes é nossa capacidade de se adaptar. Você se adaptou a muitas coisas ao longo da sua vida, e sua criança tem a capacidade de se adaptar também. Portanto, caso se faça necessário (e entendo que seja), sua criança poderá se adaptar ao pai. O mais importante é tentar ser o mais acolhedora que você puder. Talvez a criança chore. E talvez seja doído para você também. Mas uma hora, todos se adaptam. Fale com o seu filho e diga que você vai, mas volta. Dê segurança: o papai vai cuidar de você agora, ele é ótimo em fazer uma torre de blocos, que tal se vocês fizerem isso juntos? E reforce pra você mesma que você não está abandonando o seu pequeno, mas ampliando a rede de cuidado e experiência que ele pode ter. Quando você se sente mais segura, seu filho percebe isso e se sente mais seguro também. E a vida de vocês três fica melhor, pois agora seu filho passa a ter não só uma, mas duas referencias de cuidado.
Sobre o Bloom
Somos um benefício corporativo que revoluciona a forma como empresas cuidam de mães e pais que trabalham. Por meio de uma plataforma de serviços digitais que apoia a jornada da parentalidade, promovemos a orientação personalizada às famílias e melhores práticas de gestão para empresas conscientes.
Conectamos mãe e pais a uma rede de pediatras, obstetras, doulas, nutricionistas, psicólogos, orientadores de carreira e outros profissionais. E apoiamos gestores a entender melhor como lidar com esse mundo novo que é uma família.
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