Um parente adoeceu, um amigo próximo da família morreu. E agora, contar ou não contar para a criança? Ela já é capaz de entender a gravidade da situação? Consegue elaborar seu luto, lidar com as mudanças? Precisa ouvir histórias ou metáforas que suavizam a perda? Essas são perguntas que rondam famílias que precisam comunicar e amparar uma criança diante do adoecimento e da morte de alguém querido.
Num momento em que, como sociedade, enfrentamos apreensão e luto, essas dúvidas precisam ainda mais de respostas. Convidamos Valéria Tinoco, psicóloga, doutora em psicologia clínica, especialista em crises e luto na infância e fundadora do 4 Estações Instituto de Psicologia, para tirar todas as dúvidas dos nossos seguidores. O resultado você confere aqui embaixo.
Existe alguma idade em que não devemos falar da morte?
Podemos falar sobre a morte em todas as idades. Até mesmo com bebês! Quando a criança passa pela experiência de perder alguém por morte é necessário falar para ela, nomear a experiência, estar aberto para acolher seus sentimentos e responder suas perguntas. Um bebê pode não compreender o que é morrer, mas pode sentir que algo mudou em seu entorno. As palavras ditas ao bebê sobre aquilo que está acontecendo ajudam no processo de compreensão da experiência, que vai se solidificar conforme ele se desenvolver.
O quanto uma criança de 3 anos pode e precisa saber sobre a morte?
Ela precisa saber de acordo com o interesse dela ou se ela passar por uma experiência de morte. Em algum momento as crianças pequenas se defrontam com a morte, seja com a perda de um animal de estimação, um ente querido, assistindo a um filme, lendo um livro, escutando uma conversa. A partir destas experiências ela poderá fazer perguntas e deve tê-las respondidas. Se ela perder alguém significativo, deve receber as informações sobre o que aconteceu.
Quais as palavras que devemos usar para falar da morte com uma criança?
A gente pode usar a palavra “morte” e contar que “o vovô morreu”, com estas palavras mesmo. Algumas pessoas preferem falar “faleceu”, o que não está errado, mas me parece uma tentativa de se distanciar disso que é difícil para nós também e aí, nesse sentido, é ruim porque acaba contribuindo para esse tabu em relação à morte.
Quando a criança pergunta “O que é morrer?”, a gente pode dizer que tudo o que é vivo um dia vai morrer. Podemos falar das plantas, de um animal de estimação ou de um inseto – mesmo bem pequenininha a criança já deve ter visto um inseto morto ou uma folha seca no chão, não é?! Então a gente recorre a essas experiências para ajudar a criança a entender: “lembra que a gente encontrou uma lagartixa morta, filho? Então, ela era viva e depois morreu. E com as pessoas também acontece assim”.
E outras perguntas virão ao longo do tempo. Como tudo na vida, ela vai desenvolver esse conceito, não é algo que uma vez explicado ela vai entender e pronto. O importante é estar aberto para respondê-las e ser verdadeiro.
Meu filho (6 anos) tem falado da morte dele, de quando ele morrer. Ele fica assustado, eu digo que ainda vai demorar muito, mas não sei se é por aí. Como você sugere cuidar disso?
É natural a criança ter este tipo de curiosidade e também temer sobre a sua morte e a de seus entes queridos. Não é fácil perceber-se mortal. É preciso responder suas perguntas e, se notar que ele fica aflito, é preciso acalmá-lo da maneira como você está fazendo. Dar a noção de que a expectativa é que a morte demore a chegar, de que cuidamos da nossa saúde e da nossa segurança para ficarmos bem e saudáveis é importante. Caso você não saiba a resposta sobre algo, diga isso a ele. Por fim, também é necessário acolher sua aflição dizendo que esse sentimento é comum, afinal todos ficamos aflitos ao pensar nisso!
Como deve ser conduzida a informação sobre falecimento e assistência para a criança?
É importante que alguém bem próximo da criança, – alguém em quem ela confie e tenha intimidade – possa conversar e cuidar dela. Esta pessoa precisa estar disponível para responder às perguntas que surgirem e acolher seus sentimentos, dando espaço para manifestá-los, deixando que chore ou demonstre raiva, por exemplo. Também é importante dar alguma previsibilidade para a criança: quem vai cuidar dela, como serão os próximos dias, como será sua rotina, o que ela pode sentir. Isso pode trazer alguma sensação de segurança, importante neste momento.
Dizer coisas como “agora a pessoa está dormindo para sempre” ajuda a criança?
Não. As crianças pequenas entendem o que explicamos de forma literal e concreta. Associar a morte ao ato de dormir pode gerar angústia e medo de que ela e outras pessoas morram ao dormir. Além disso, desta forma dificultamos sua compreensão à respeito do que é morrer. É melhor dizer que a pessoa morreu e que seu corpo parou de funcionar por determinado motivo, e aí explicar a causa da morte.
Falar que uma pessoa “mora no céu” acaba implicando no tema da religião?
É normal termos receio de irmos diretamente ao ponto. A morte ainda é um tabu tão grande na sociedade que parece mais fácil suavizar o modo de falar neste assunto. Ainda que a maioria de nós “localize” nossos entes queridos falecidos no céu, independentemente da religião, é importante lembrar que a criança entende o que falamos de forma literal e não abstrata. Então, se falarmos que alguém está no céu, ela pode entender que é aquele céu que vemos e podemos alcançar de avião.
Não tenho religião mas acho que para crianças é muito duro dar alguma explicação que acalme.
Só adianta trazer alguma crença religiosa para a criança se ela fizer sentido para a família. É importante sabermos que não temos como impedir o sofrimento de uma criança diante da perda de um ente querido. O sofrimento e aflição fazem parte desta experiência e precisamos tolerar estes sentimentos na criança. Ao mesmo tempo, é necessário que a criança tenha pessoas próximas a ela dando-lhe segurança de que juntos passarão por este momento delicado. Saber que ela não está sozinha e que pode contar com a ajuda de um adulto para enfrentar as dificuldades é o melhor que podemos oferecer a ela.
E esse história de “virou estrelinha”? Ela é tão popular…
É muito popular mesmo! Por um lado temos a tendência a querer suavizar a dor da separação trazendo a ideia de que a pessoa continua presente de outra forma. Por outro tendemos a localizar os falecidos no céu, por isso a estrelinha ficou tão popular. Se for explicado para a criança que a pessoa morreu e que após a morte as pessoas ficam presentes de alguma forma, não acho inadequado, desde que esta seja uma crença da família. Mas lembre que a criança de até mais ou menos cinco anos entende tudo de forma literal e concreta e, neste sentido, a idéia da estrelinha pode ser reconfortante, mas também pode ser angustiante. Me lembro de um menino pequeno que ficava muito triste e aflito por “ver” sua mãe todas as noites.
Falei para minha filha que não existe céu. Acha que confundi mais a cabeça dela?
Podemos contar às crianças sobre o que acreditamos e também dizer que existem diferentes crenças a este respeito. Ninguém sabe ao certo o que acontece após a morte e é importante sermos sinceros em relação ao que pensamos. Ao falarmos com a criança ajudamos na construção de suas próprias crenças a respeito desse tema (ela tem a vida toda para isso!).
Parente interno. É válido dizer a uma criança de 4 anos que a pessoa em questão está viajando? Ou devo levá-la ao hospital?
A criança desta idade tem condições de perceber que algo “errado” está acontecendo e pode se sentir sozinha e confusa quando não recebe as informações verdadeiras. Quando a separação pela hospitalização é prolongada, a criança pode ficar muito angustiada, com medo e fantasiando a respeito do que pode estar acontecendo. Contar a verdade permitirá que ela possa expressar seus sentimentos e participar do processo de adoecimento do parente, além de poder se relacionar com seu ente querido, mesmo que doente. E vale também contar a ela que tudo está sendo feito para que esta pessoa seja cuidada e tratada. Desta forma ela pode se sentir importante enviando seu afeto por meio de um desenho ou vídeo, pode ir ao hospital ver o que está acontecendo (exceto durante a pandemia e se a condição de saúde da pessoa internada não permitir ou outra razão que coloque a criança em risco).
Devo levar uma criança ao velório? É uma cena forte para ela?
Se a criança perde um ente querido é saudável dar a ela a oportunidade de despedir-se durante os rituais de funeral. Este é um momento social e familiar do qual não devemos excluir as crianças, desde que tenha alguém de confiança que a acompanhe, a acolha e responda suas perguntas, e possa levá-la para comer e brincar caso seja seu desejo. Esta experiência ajudará a concretizar a morte e passar pelo processo de luto. É importante lembrar que crianças pequenas não aguentam ficar muito tempo em um mesmo lugar, nem horas sem comer ou dormir. Estes cuidados precisam ser observados.
Elas também se beneficiam da previsibilidade, ou seja, antes do ritual de velório, por exemplo, é importante contar a ela o que ela pode esperar durante os rituais e com quem poderá contar, como ela pode se comportar, que não é preciso ficar o tempo todo, pode ir embora se preferir, quem ficará responsável sobre seu cuidado, etc. Isso ajuda a deixá-la mais segura para enfrentar esta experiência. Também devemos evitar que ela esteja presente se os familiares estiverem muito “descontrolados” emocionalmente.
Desde que perdeu a bisavó, minha filha sempre pergunta se vou morrer quando ela crescer.
É natural que a criança faça muitas perguntas à respeito da morte, mesmo por períodos prolongados. A compreensão sobre a morte não ocorre de uma única vez. De início ela não compreende que a morte é irreversível, nem que todos morreremos um dia. Estes conceitos serão adquiridos conforme ela amadurece e, enquanto isso, poderá fazer perguntas repetidas vezes. Você pode responder que também irá morrer um dia, como todo mundo, que isso é parte da vida. Pode também dizer que isso não irá acontecer agora, que está tudo bem com sua saúde e que você se protege para viver muito e viver bem. O desejo de querer ir junto da bisavó pode ser por pura curiosidade!
Tenho medo de morrer e minha filha sentir. Gostaria de prepará-la. Como fazer?
É importante falar com a criança sobre a morte se ela está prestes a vivenciar esta situação, no caso de você estar gravemente doente. Se este é o caso, conte a ela o que está acontecendo, ela inclusive já deve perceber que há algo errado. Caso não seja este o caso, não vejo motivos para falar disso até que ela pergunte ou vivencie uma experiência de morte próxima. Infelizmente, não há como evitar o sofrimento da criança em relação à morte. Mas podemos dar-lhe condições de expressar seus sentimentos e apoiá-la dando-lhe muito carinho. Só não podemos deixá-la sozinha e sem informações quando ela quer falar sobre isso!
Considerando o momento de ensino remoto, como a escola pode cuidar quando acontece a morte do pai de forma brusca (acidente)?
A escola é uma referência para a criança, ainda que estejamos todos afastados. Se o pai de uma criança morre é importante a escola, professores e colegas se fazerem presentes e demonstrarem sua preocupação e cuidado. Realizar algum tipo de manifestação coletiva, como uma produção escrita, um vídeo, uma música cantada por todos em uma conferência, um bolo acompanhado de um cartão, são ideias do que se pode fazer para estar presente e demonstrar atenção. Também é importante se preparar para o retorno às aulas e ficar atento às necessidades desta criança.
Estou preocupada com o trauma que a volta ao normal pode causar, acho que assustei demais meu filho ao protegê-lo do vírus.
Na situação em que estamos vivendo é preciso dizer que temos algumas coisas que sabemos e outras que não. As coisas que sabemos se referem a como podemos nos proteger, como o cuidado com a higiene. Em relação a estas ações podemos ter controle. Sobre aquelas coisas para as quais ainda não temos respostas precisamos colocar nossa confiança em quem pode fazer alguma coisa: médicos, cientistas, profissionais de diferentes áreas tentando achar uma solução para este momento. A confiança em que estamos todos fazendo tudo o que sabemos, da melhor maneira possível, pode aliviar nossos medos diante desta situação desconhecida e assustadora.
Essa distância forçada de família e amigos gera também algum trauma/luto nas crianças?
A situação que estamos vivendo atinge a todos: adultos e crianças. Neste cenário famílias estão passando por diferentes tipos de perda: adoecimento e morte; perdas financeiras; perda de projetos e expectativas de futuro; perda da sensação de segurança e perda da rotina. A perda do mundo tal como conhecíamos gera uma reação esperada de luto, que é um processo de adaptação à nova realidade. Podemos observar nas crianças diferentes reações, sentimentos e comportamentos diante do luto: irritabilidade, tristeza, medo, insegurança, alteração na alimentação, sono, concentração, entre outros. Quando compreendemos que estas reações são normais e esperadas, fica mais fácil acolher as crianças, respeitar seus sentimentos e ajudá-la na adaptação às novidades.
É importante assegurar às crianças de que estamos fazendo o possível para nos adaptarmos e confiar que vamos tentar encontrar formas de enfrentar os desafios que forem surgindo. É muito importante também que os adultos busquem formas de se sentirem confiantes para passar por esse período. Crianças ficam desestabilizadas quando seus cuidadores estão muito desorganizados. Encontrar alternativas para a continuidade das relações familiares e com amigos é essencial. Toda a criatividade é importante neste momento: cozinhar algo especial e enviar aos avós, gravar vídeos contando piadas para alegrar os familiares, marcar reuniões virtuais com os amigos da escola, tudo que ajude a manter contato e expressar e receber afetos pode ser bom.
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